DESOLAÇÃO, frustração à mistura, com alguma esperança pelo futuro foi o cenário que sexta-feira caracterizou a chegada do segundo grupo de cerca de 600 moçambicanos a Xai-Xai com destino às províncias de Gaza, Inhambane e Sofala, fugidos dos actos de xenefobia protagonizados por cidadãos sul-africanos contra os nossos compatriotas na vizinha África do Sul, totalizando assim pouco mais de 1300 forçados a deixar a pátria de Mandela.
Nas instalações da ex-empresa Camionagem de Moçambique, local actualmente usado por uma companhia sul-africana de transporte de passageiros, aguardava os nossos concidadãos, para além de dezenas de pessoas entre amigos e familiares, uma equipa multi-sectorial destacada pelo Governo de Gaza para a recepção daquelas vítimas.
“Perdi tudo, queimaram todos os meus bens, resultantes de mais de 10 anos de trabalho e muito sacrifício na África do Sul. Destruíram a minha casa, o que se viu foi um autêntico vandalismo e selvajaria, e tudo isso sob o olhar cúmplice das autoridades policiais, que estiveram no local só para fingir que estavam a fazer algo,” começou por nos dizer Adélia Jaime, a saída do autocarro que a transportava para Vilankulo.
Adélia Jaime, decidiu imigrar para aquele país vizinho, tendo se fixado até então em Nelspriut, segundo ela, movida pelo desejo de tentar melhorar a sua vida.
“Somos vítimas de perseguição simplesmente porque gostamos de trabalhar, contrariamente ao que acontece com muitos sul-africanos que são pela vida fácil, mas Deus é Pai e um dia a justiça será feita”, disse a nossa entrevistada.
Gabriel Mabasso, é outra vítima por nós contactada no local da recepção dos moçambicanos em Xai-Xai, em serviço nas terras do “ rand” desde 2001, aonde se deslocou para trabalhar na área de construção civil.
Mabasso, que fazia uma escala, para posteriormente se deslocar a Mavengane, distrito de Manjacaze, sua terra-natal, era proveniente de uma das zonas periféricas de Joanesburgo.
“Fui invadido por uma verdadeira multidão de pessoas munidas de armas brancas. Ali feriram, e mataram impiedosamente muita gente. A crueldade que pude ler nos olhos daquela gente deixou-me muito admirado, porque é simplesmente incompreensível que nos maltratem daquela maneira depois de tantos sacrifícios por nós consentidos quando estavam sob o jugo dos racistas sul-africanos.
Alguém tem que dar uma explicação mais convincente da razão de tanta apatia que se nota particularmente no seio das autoridades. Parece tudo combinado entre a Polícia e os protagonistas dos massacres”, desabafou Mabasso.
A mesma opinião foi, aliás, partilhada por Filipe Machava, há 14 anos em Benon, que viajava com destino ao distrito de Machanga, na província de Sofala, depois de ter sido despojado de todos os seus bens.
“Regresso à minha terra para reflectir sobre o meu futuro, mas o mais certo é que devo voltar para a África do Sul, porque é onde construi algo com que possa levar uma vida minimamente decente.
Sinto que recomeçar a vida aqui pode ser muito difícil, porque o nosso país ainda é desprovido de muitas condições para albergar condignamente os seus compatriotas. Quando as coisas acalmarem voltarei”, assegurou-nos Machava.
A secretária permanente provincial de Gaza, Ana da Graça Simione, garantiu-nos que o processo de encaminhamento dos moçambicanos está a decorrer sem sobressaltos, tendo sido criado um centro de trânsito para assistência imediata em caso de possíveis necessidades primárias.
Através do Instituto de Gestão de Calamidades, estão sendo colocados à disposição dos regressados alimentos e transporte para as zonas de origem dos regressados da África do Sul.
“ Felizmente, apesar de toda a dor e luto que se vive, nota-se nas pessoas uma forte vontade de se refazerem do drama. Não percebi em nenhum momento neles nenhum sentimento de retaliação, não obstante o espírito de revolta e frustração que estes vivem”, explicou Simione.
VIRGÍLIO BAMBO
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