segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ilha de Moçambique: Do património da humanidade aos GLOMUS 2009


A Ilha de Moçambique, a nossa capital histórica que representa um mosaico cultural de diversas nações do mundo, não é por acaso que foi declarado património mundial da humanidade pela UNESCO, recebeu no período compreendido entre os dias 10 a 15 de Agosto corrente, perto de quatro dezenas de músicos, académicos e outros “experts” de nível internacional e que participaram naquilo que apelidaram de primeiro encontro de Rede de Musical Global, num projecto que teve a “costela” da Academia Real de Música de Aarhus, da Dinamarca e da sua congénere de Música Sibelius da Finlândia, em parceria com a nossa universidade “mor” a Eduardo Mondlane.

Nesse encontro que teve igualmente apoios dos governos nórdicos da Dinamarca e Finlândia, a rede GLOMUS, assim como é designada este tipo de evento que teve o lema de “Encontros multiculturais entre estudantes e professores dos países africanos, nórdicos e do médio oriente”, estiveram representados músicos do nosso país que foi o primeiro anfitrião da iniciativa, num total de cinco elementos. Da Finlândia se fizeram presentes na Ilha de Moçambique, sete, igual número da Dinamarca, Suíça e Noruega, um cada, Gana, Síria, África do Sul e Mali com dois instrumentistas e musico cada.

Segundo apurou a nossa reportagem na Ilha de Moçambique, junto dos organizadores, a iniciativa tinha por objectivo combinar algumas actividades musicais nalgumas instituições de ensino superior nórdicas e outras parceiras de África, tais como a UEM de Moçambique, Universidade de Cape Coast do Gana, Cape Town da África do Sul, Conservatoire des Arts et Métiers Multimédia de Bamako, no Mali, da Tanzânia a Universidade de Tumaini, Makumira College, enquanto que do médio oriente se fizeram representar o Instituto Superior de Damasco, da Síria e Edward Said Conservatória Nacional de Música, da Palestina.
Este projecto que ocorre pela primeira vez a nível planetário envolvendo este naipe de instituições e profissionais de música, particularmente folclórica destas nações, tem com ênfase a chamada musica global e que se pretende fazer um intercâmbio envolvendo professores e estudantes das instituições superiores de música contemporânea e folclórica, dos respectivos países.
Gimo Mendes, músico moçambicano radicado há sensivelmente duas décadas na Dinamarca e um dos grandes impulsionadores da iniciativa explicou a nossa reportagem que com este intercâmbio entre estudantes e docentes de diversas universidades poderá facilitar a criação de outros projectos comuns na área de educação musical, tendo como realce a chamada musica global, ou melhor, música de diferentes culturas tocada juntamente entre os participantes presente na Ilha de Moçambique.

É assim que os participantes no evento, para além da troca de experiências entre si, ensaiaram conjuntamente vários números musicais dos países que se fizeram representar neste encontro que culminou com a apresentação de um espectáculo realizado na passada sexta-feira, num dos largos daquele território insular que foi a primeira capital do país.

John Kuubeterzie, professor da universidade de Cape Coast, começou por manifestar a sua gratidão por seu um dos primeiros convidados a nível internacional a participar num evento que, considerou de tamanha importância para o fortalecimento dos laços de amizade e troca de experiências entre músicos e académicos de diversas nacionalidades e de outras escolas que englobam a África, Ásia, Europa e Médio Oriente.

“O simples facto de estarmos aqui, facilita-nos fazer amigos, trocar conhecimentos e fora disso criarmos um rede das instituições de ensino superior no ensino da música que tenha continuidade nos anos subsequentes o que irá permitir aos participantes que tomam parte neste tipo de eventos apliquem as suas sabedorias em diversas áreas de especialidades.

Acima de tudo foi uma experiência muito boa e excitante que passou também pela boa hospitalidade que tivemos com os residentes da Ilha de Moçambique. O nosso grupo era composto de pessoas afáveis, simpáticas e abertas do ponto de vista profissional que facilitou o sucesso deste seminário”, observou John Kuubeterzie.

Para Eduardo Lichuge, representante da escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Mondlane, o encontro representou para a sua instituição, em especial para a faculdade de música, um passo extremamente importante numa altura em que inicia um processo que culminou com a adesão da ECA, a este programa que envolve instituições académicas na área musical, consubstanciando, consolidar e abrindo muitas oportunidades para a melhoria curricular dos cursos que são ministrados.
“Dão-nos igualmente a oportunidade de entrar em contacto directo com outros programas de ensino da música que são leccionados fora de Moçambique. A nossa expectativa é enorme que para além da troca natural de experiências, também ensinamos como compusemos as nossas músicas tradicionais e popular que pensamos ser mais uma valia para os nossos colegas de outros continentes e países”.
TIMBILA DO MESTRE DURÃO PRESENTE...
Neste primeiro encontro multicultural de nível internacional, esteve presente uma figura incontornável da nossa música tradicional e que já “saltou” fronteiras de diversos países e que como muitos participantes o fizeram durante o convívio entre eles, não era possível sair da Ilha de Moçambique e não ir a fala com o conceituado mestre de Timbila e chefe da orquestra da Companhia Nacional de Canto e Dança do nosso país, ou seja, Eduardo Durão, que durante aqueles dias foi um autêntico professor daquele instrumento musical, actualmente declarado património mundial, pela UNESCO.

“Este encontro vai ajudar os músicos moçambicanos a reflectirem sobre a importância que devem dar aos ritmos e cânticos tradicionais. Individualmente já participei em diversos colóquios, workshops e vários encontros sobre música, mas este ultrapassou as minhas expectativas, pelos simples facto de ter envolvido personalidades, académicos e profissionais que lidam com a música em diversas vertentes, onde os instrumentos tradicionais dos vários países trazem a diferença”, disse o mestre Eduardo Durão.

Falando particularmente do instrumento de que é um exímio executante, Eduardo Durão, disse não encontrou dificuldades em fazer misturas com outros instrumentos convencionais, os chamados da nova era ou ocidental, porque a sua flexibilidade na afinação da Timbila, ajudou os seus colegas a atinar com a mesma consonância rítmica.

“A experiência que colhi aqui, com este grupo maravilhoso de músicos, vou transmitir aos alunos da minha banda familiar e a minha carreira ficou mais enriquecida”.
NOSSO PAÍS DEVE DAR UM GRANDE SALTO COM ESTE ENCONTRO - defende Gimo Mendes

“Com este encontro o nosso país tem imensas possibilidades que dependendo das propostas e contribuições que os nossos músicos apresentarem, de darmos um grande salto no que diz respeito a forma e caracter de abordar a música no seu sentido clássico e moderno, mesmo que esta tenha mistura com a chamada folclórica ou tradicional. Apesar de não termos um instituto superior de música em Moçambique, a sabedoria dos que aqui se fizeram presentes foi suficiente para demonstrar os outros países que temos potencial humano”, começou por dizer Gimo Mendes.

Para este músico nacional radicado na Dinamarca e onde exerce a profissão de docente de música, o encontro permite entre os participantes juntar ideias que são discutidas num ambiente que ultrapassa a universalidade de cada um, numa simbiose proporcionalmente intacta.

“Assistimos aqui o soar daqueles ritmos típicos sul africanos, o ecoar da nossa Timbila, os cânticos tradicionais do Mali, da Tanzânia e do Gana estão a transformar este convívio numa escola multicultural sem fronteiras, aos quais quando se misturam com os toques musicais dos países escandinavos e do oriente médio, sobressaí uma autêntica maravilha aos ouvidos de qualquer um”, disse Gimo.

Para este músico moçambicano que esteve a frente da organização deste encontro, todo material audiovisual, fotográfico produzido será produto de um relatório a ser apresentado as instituições patrocinadoras que numa avaliação preliminar, mostraram-se sensibilizados pelos resultados conseguidos pela realização deste evento.

“É bem possível que com os resultados observados pelos parceiros de cooperação, haja futuramente mais abertura para apoios desta envergadura e, pensamos que se tudo correr bem o próximo local será a África do Sul”, rematou o nosso entrevistado.

O ENCONTRO PODE GLOBALIZAR A MÚSICA...
Astrid Elbek, vice reitora da conservatória de música numa das universidades da Dinamarca e que esteve presente no cinco dias que decorreu o primeiro encontro de música internacional, disse que acima da troca de experiências entre os músicos, valeu sim pelo espírito de camaradagem e entrega dos participantes que mostraram a sua vontade em fazer deste tipo de eventos, momentos de reflexão e aprendizagem de culturas de outras nações.

“Senti aqui na Ilha, onde estamos reunidas cerca de quarenta pessoas de diversas nacionalidades que a música não tem barreiras e que mesmo a língua e instrumentos apresentados pelos diversos países nunca foi entrave para alcançarmos os nossos objectivos”.

Para esta académica dinamarquesa de música contemporânea, foi também uma oportunidade que se criou para se avançar numa fundação duma rede de contactos entre músicos dos três continentes que ali se fizeram representados nomeadamente África, Europa e Médio Oriente que, entre a Tômbola moçambicana, fundiram os sons rítmicos do Olimpo, flauta da síria Udu da arábia, ambira do gana entre outros.

Não foi por acaso que a Ilha de Moçambique foi a primeira escolha para acolher este evento internacional e Astrid Elbek, explica as motivações dos governos do seu país e da Finlândia preferiram a primeira capital de Moçambique.
“A escolha da Ilha de Moçambique para acolher este encontro justifica pelo facto deste local ter acolhido por vários milénios um cruzamento e diversidade de culturas e de nações e é um lugar fantástico, calmo e com um ambiente que permite uma reflexão sem pressões”.

APRENDIZAGEM É UM PROCESSO CONTÍNUO...
Alias, foi afirmação unânime dos participantes que elogiaram a iniciativa, tal como foi Mussa Diallo do Mali que passou muitas vicissitudes para chegar a músico profissional que hoje é e que lhe permitiu ter já na sua trajectória sete álbuns gravados, na Dinamarca e que já actuou ao lado de músicos internacionalmente reconhecidos, tais como os Sneekers, da compositora Ana Linet, entre outros.

“Penso que o que posso reter neste encontro é aprendizagem que sempre temos que ter em conta que se trata de um processo de aprendizagem contínuo, independentemente do sucesso que tenhamos atingido. Por exemplo, o que aprendi aqui vou puder transmitir a um grupo de moçambicanos que posteriormente irão a Dinamarca em Outubro próximo”, disse Mussa.

Este músico, nasceu no Mali, fruto da relação de seus pai maliano e sua mãe dinamarquesa, um enlace que culminou quando Mussa Diallo tinha apenas dez anos, tendo depois passado por momentos difíceis, em consequência da separação dos seus progenitores. Diz que, porque havia decidido seguir a carreira de músico abandonou o seu pai no Mali que se opunha as pretensões do filho, tendo passado pela Libéria com os olhos postos para os Estados Unidos da América, um sonho que ele admite ter sido difícil de concretizar.

“Fomos durante estes dias, pessoas amigas e muito conchegadas e houve abertura total dos intervenientes em procurar dar e receber aquilo que sabiam e que pretendiam conhecer, foi muito salutar, vamos esperar para ver o próximo “GLOMUS 2010” na África do Sul, se tudo se concretizar”, rematou Mussa Diallo que fixou residência aos 18 anos na Dinamarca.

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