terça-feira, 29 de abril de 2008

Um tráfico humano de luxo


Aeroporto de Mavalane recebe diariamente entre 10 a 15 estrangeiros traficados com o envolvimento dos Serviços de Migração, Aeroportos, Alfândegas, Polícia e MHS. “O País” conta-lhe o que viu e viveu, numa investigação de risco...

“O País” viu e viveu no aeroporto de Mavalane todo o esquema usado para permitir a entrada de pessoas traficadas de outros países para Moçambique. Os referidos imigrantes ilegais, maioritariamente do Centro, Sul e Médio Oriente da Ásia ( principalmente, Paquistão, Índia, Bangladesh e Líbano) são trazidos pelos voos nocturnos das companhias aéreas que escalam o aeroporto de Mavalane, em Maputo, idos da África do Sul, num esquema de tráfico que envolve um “pentágono de luxo”, composto por funcionários das Alfândegas, Migração, Aeroporto, Polícia da República e da MHS, que os protege do aeroporto até (...)

São jovens do sexo masculino com idades compreendidas entre 18 e 30 anos. Estima-se que, anualmente, desembarcam no aeroporto de Maputo entre 3.600 a 5.400 pessoas traficadas de países asiáticos e africanos.

O fenómeno do tráfico tende a tomar contornos alarmantes, com “cheiro” a ameaça às integridades territoriais. Trata-se de um tipo de tráfico que envolve avultadas somas de dinheiros. Alguns dados em nosso poder mostram que algumas quadrilhas cobram, por imigrante, valores entre 10 mil e 25 mil dólares. Parte deste valor é usado para aliciar os serviços de Migração, das Alfândegas, dos Aeroportos e da Polícia para que os deixem passar. Tratando-se de imigrantes que movimentam muito dinheiro, suspeita-se que os seus motivos para escalar o nosso país estejam ligados a crimes transnacionais, tais como o tráfico de drogas, de pessoas, lavagem de dinheiro, entre outros.

“O País” desencadeou uma série de contactos visando entender as motivações deste fluxo de imigrantes ao nosso país. As pessoas contactadas, incluindo um agente da polícia, afirmaram desconhecer as reais motivações alegando que, tratando-se de pessoas que movimentam muito dinheiro, “estaria em perigo a nossa vida”.

Alguém os espera
Eram 20h:13 (passavam três minutos após a hora marcada para a chegada do voo) quando três jovens de características indianas - podendo ser libaneses, paquistaneses, bengaleses, entre outros - entraram no edifício do aeroporto e imediatamente se dirigiram ao segundo piso, onde controlariam o voo. A nossa equipa de reportagem, também seguiu para o mesmo piso sem que tenha sido suspeita. No mesmo piso, já lá havia mais dois senhores da mesma raça, supostos patrões do grupo, totalizando assim, cinco elementos.

Poucos minutos depois, o autor destas linhas desce ao primeiro piso e verifica que o horário de chegada do voo havia sido alterado de 20h:13 para 20h:55. Eram 20h:35. Vendo que a hora se aproximava, a equipa do “O País” escala, novamente, o segundo piso. Faltavam, precisamente, sete minutos da hora marcada, quando o voo TM 306, das Linhas Aéreas de Moçambique, aterra. Imediatamente, dois deles descem ao primeiro piso e dirigem-se directamente à sala de recepção de bagagens, uma zona proibida para pessoas estranhas.
A nossa equipa de reportagem tentou entrar na mesma sala, mas por ser “estranha” não foi permitida, mesmo com argumentos esgrimidos para o efeito.

Suspense
Perante a insistência, alegando motivos de peso, eis que nos é permido o acesso à zona proibida. No interior, os estranhos éramos nós - o repórter e os três jovens -, um deles entrou tardiamente. Aí todo o cuidado era pouco, um verdadeiro filme de suspense, em que uma suspeita pode ser fatal. Havia um forte dispositivo de segurança no interior, no corredor e fora do aeroporto. O movimento era estranho.

Os três jovens – um deles deambulava de um lado para o outro, feito de controlador da situação – estavam atentos ao grupo que iam buscar. De lado onde estavam, gesticulavam para a sala de desembarque, dando sinais a eles no sentido de se dirigirem ao balcão. Uns entenderam e outros não, e continuaram na fila. O jovem que fazia movimentos “desusados” pára em frente do autor deste texto e acena com a cabeça. No entanto, os traficados não entendiam o esquema, eis que o funcionário que trazia colete da MHS chama dois indivíduos trajados de camisas amarelas com logotipo dos Aeroportos de Moçambique. Antes perguntara ao jovem quantos indivíduos vinham, se eram seis, ao que lhe é respondido que eram apenas cinco.
Os trabalhadores do aeroporto dirigiram-se a um dos balcões e fizeram sinal para que passassem. No canto, estava um polícia a paisana, outros espalhados pela sala. Na entrada da sala havia mais três polícias, e fora do edifício, mais de sete.

Os trabalhadores da Migração que se encontravam nos balcões simularam estar a fazer um “check-out”. E todos acabaram por passar. Dois dos jovens que os iam buscar dirigiram-se para fora. Muito próximo donde estava posicionado, o jovem de muitos movimentos pergunta ao outro onde estava o seu passaporte, ao que respondeu que se encontrava no bolso do casaco. Na mesma altura, o autor desta reportagem efectuava uma chamada, cujo teor era o que estava a acontecer no aeroporto. Foi quando o trabalhador que trazia o colete da MHS se dirigiu a ele e fixou-se nas suas costas, o que criou um suspense. A ideia era simples: ouvir o teor da conversa telefónica. Só que imediatamente a chamada foi interrompida.

Segundos depois, e porque só faltava a parte da recepção de valores, dirigiu-se ao exterior do edifício, enquanto, noutra sala se recebia as quantias. Aí não havia mínimas condições para a equipa se manter por mais tempo. É que a segurança era mínima. É que não deviam apresentar passaportes para fazer o “check-in”.
Fontes polícias e aeroportuárias informaram-nos que alguns haviam entregue os seus passaportes a um funcionário do aeroporto ou da Migração que depois os devolveu já fora do edifício, após pagamento dos valores combinados. “Os agentes da Migração, das Alfândegas e do Aeroporto que estiverem nos balcões deixaram-nos passar sem fazer o ‘check out’”, para dar a entender que “essas pessoas embarcaram na África do Sul, mas não há registo de desembarque em Maputo” e, consequentemente, se conclui que “não chegaram ao nosso país”, contou uma das fontes.

Os valores à solta
“O País” sabe que no voo da tarde, proveniente da África do Sul, chegaram 12 pessoas do mesmo grupo. Mais: também apurámos que os valores envolvidos em cada operação variam de 60 a 70 dólares americanos (1.500 a 2000 MT), em função do número de ilegais que chegam. Portanto, quanto maior for o número, maior será o valor que os traficantes desembolsam. Por outro lado, os jovens moçambicanos – geralmente são dois – que conduzem o grupo à viatura não têm um valor fixo por operação, havendo dias em que lhes são dados 100 MT. Em alguns momentos, quando os valores são desembolsados pelos traficados, estes jovens chegam a receber 50 dólares.
Arriscado
O esquema de segurança é forte, de tal forma que todas as movimentações são suspeitas. Sentimos isso durante o período de “check-out”. A nossa equipa foi aconselhada a partir do aeroporto rapidamente, para evitar correr riscos, alegadamente porque podiam existir membros da PRM que a tivesse descoberto. “Eles só podem ter pessoas (agentes da PRM) para os escoltar, porque, caso contrário, estes podem ser interpelados por outros elementos da PRM e serem detidos. É perigoso seguí-los, de tal forma que melhor é saírem antes”.
A nossa reportagem não conseguiu apurar onde iriam ser alojados. No entanto, os nossos informantes afastaram a possibilidade de se dirigirem a hotéis. “Acho que há apartamentos onde serão alojados”.

Dar-es-salam - Pemba, outra rota
Outros grupos de emigrantes clandestinos, dependendo dos dias, chegam no Aeroporto de Moçambique pelos voos da tarde, provenientes de Dar-es-Salam, capital da Tanzania. O grupo que usa esta rota escala, primeiro, a cidade de Pemba, capital de Cabo Delgado, antes de chegar a cidade de Maputo, no entanto, em números não superiores a 10 – entre cinco a seis pessoas.
Segundo apurámos, a maioria de ilegais que usa a rota Dar-es-salam – Pemba – Maputo apresenta as mesmas aparências dos que usam a via Joanesburgo - Maputo. Desconhece-se as rotas descritas antes de escalarem África do Sul e Dar-es-salam. No entanto, “O País” sabe que a opção pela rota Dar-es-Salam para escalar Maputo pode resultar de um cenário traçado, não passando de uma simples estratégia, para evitar que haja suspeitas após a saída em massa do Aeroporto. “Mas são poucas as vezes que usam aquela via”, reforça a fonte.

Ora, há uma diferença entre o grupo que usa a rota Joanesburgo - Maputo e o que recorre à via Dar-es-salam – Pemba - Maputo. É que este último, embora siga o mesmo esquema, após a saída do aeroporto, recorre a táxis para o levar ao destino. “Se existe alguém, essa é uma pessoa que nós não vimos. Esse grupo deve ser de Magreb e Paquistão”, conta.
Curiosamente, este mês, foi repatriado, por via aérea, um grupo de imigrantes ilegais detectados em Pemba, Cabo Delgado. Trata-se de um grupo de cidadãos de diferentes nacionalidades, entre africanos e asiáticos, que entraram em Moçambique através de embarcações de pesca, via Tanzania.

Desaparecimento de 60 passaportes
Durante o último fim-de-semana, terão desaparecido 60 passaportes nos aeroportos de Moçambique. Trata-se, segundo apurámos de fontes da Migração, de passaportes de supostos imigrantes. “Houve roubo de 60 passaportes durante o fim-de-semana, mas a instituição (Migração) não quer tornar pública essa informação”.

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