segunda-feira, 1 de junho de 2009

Não haverá muito camarão como há agora


Não haverá muito camarão como há agora.
Cadmiel Muthemba, ministro das Pescas
O ministro das Pescas reconhece a incapacidade do Estado na fiscalização da actividade pesqueira, daí que diversas embarcações estrangeiras têm estado a saquear produtos pesqueiros do país. Cadmiel Muthemba antevê um cenário negro na captura do camarão selvagem e diz mesmo que a solução passa pela aquacultura.

Senhor ministro, entre a pes­ca artesanal e industrial, qual é a determinante para o governo?Talvez recuar um pouco ao perí­odo da independência a esta par­te. Numa primeira fase e durante muito tempo, as exportações do país dependiam fundamental­mente de produtos pesqueiros, daí a razão do governo ter dado muito mais importância à pesca industrial. Hoje, felizmente, já com a paz e com todos os pro­gramas de desenvolvimento, há outros sectores como o turismo, indústria, recursos minerais, que já contribuem muito mais para a balança de pagamento do que a actividade pesqueira. Por outro lado, a pesca artesanal contri­bui para o consumo interno e é praticada por pessoas de renda muito baixa, com o propósito de melhorarem as suas condições de vida. Outro aspecto é que a pesca industrial já não precisa tanto de apoio, porque as empresas de pes­ca têm pernas para andar e mui­tas delas com organizações bem estruturadas.

Colocava esta questão porque o peso dos produtos pesqueiros na exportação de bens é de cer­ca de 42%, o que significa que ainda tem um peso importante na balança de pagamentos. Isto não cria a sensação de que se dá mais valor à pesca industrial que artesanal?

Não preterimos e tudo aquilo que é possível fazer de apoio à pesca industrial fazemos, mas o governo tem as suas limitações. Por exemplo agora, nesta crise em que entrou a pesca indus­trial, o governo fez aquilo que era possível fazer, em termos de combustíveis. Por conseguinte, na compra de combustível para a pesca não se paga o mesmo que o se que paga na compra de com­bustível para viaturas normais. Por exemplo, ano passado, que foi um ano difícil para a actividade, o governo, através do Ministério, decidiu adiar a cobrança de parte das licenças como forma de dar o seu apoio.

CRISE NO SECTOR PESQUEIRO
Quais foram os factores que determinaram este retrocesso do sector pesqueiro industrial?
Há vários factores. Primeiro, o problema dos preços de camarão. O principal mercado, o europeu, baixou muito, passou do preço médio de 15 a 18 dólares para 6 a 8 dólares. Isto foi de facto muito for­te. Além disso, problemas climáti­cos tiveram muita influência. Para o camarão, por exemplo, logo a se­guir ao ciclone Jokwé, houve uma baixa de rendimentos na pesca. Com efeito, aquelas empresas que não têm uma estrutura económi­ca muito forte não aguentaram com o barco, para além de que a maior parte das frotas já atingiu grandes níveis de obsolência, daí que os seus rendimentos não são bons. Mesmo as empresas econo­micamente mais fortes também se ressentiram e tiveram de parar em algum momento, porque levar o barco ao mar e não produzir não é compensável.

Qual foi o real efeito das medi­das tomadas pelo governo?
Os armadores voltaram a pesca? Em que situação se encontram? Conseguiu-se, principalmente, manter algumas empresas graças a essas medidas, numa altura em que a maioria dessas empresas não esperava voltar a pesca. E este ano, as reduções do preço do com­bustível vieram dar algum alento à actividade pesqueira.

Nesta altura, qual é o grau de rentabilidade das empresas que estão a operar?
A informação que temos é que muitas estão descapi­talizadas...
Tenho muita dificuldade de di­zer se as empresas estão descapita­lizadas, porque não conheço a sua contabilidade, já que isso é segre­do de empresa. Contudo, tenho alguns dados referentes a produ­ções e vendas, mas não tenho da­dos de cada empresa para dizer se estão ou não descapitalizadas.

Do ponto de vista de produção e de vendas, qual é realidade dos armadores, sobretudo depois das medidas que o governo tomou?
Isso vai sentir-se daqui a algum tempo, porque, por exemplo, as empresas que pescam para a ex­portação iniciaram em Fevereiro, sendo que as primeiras exporta­ções começaram a ser feitas no mês de Março, e ainda estamos à espera de ver o que é que vai dar. Ainda não temos indicação exac­ta, mas todas as informações mos­tram que a situação não vai ser igual à situação do ano passado, vai ser melhor.

A estratégia é esperar que os preços venham subir ou explorar mercados alternativos?
A estratégia passa também por explorar mercados alternativos. Já começou a haver discussão, no seio dos próprios armadores, sobre a exploração de mercados alter­nativos, sobretudo o dos Estados Unidos. É certo que, para expor­tar para aquele país, há um nível de exigência que são de carácter ambiental e, neste momento, al­gumas empresas estão a adaptar-se a isso e, em simultâneo, à nossa decisão: o nosso regulamento da pesca marítima já indica algumas medidas que impusemos não por causa dos Estados Unidos, mas por aquilo que é o ambientalmen­te correcto. Esse dispositivo exclui a pesca da tartaruga, porque o que acontece, neste momento, é que quando apanham a tartaru­ga devolvem-na viva para o mar, quando não devia ser assim.

Os nossos armadores estão ou não em condições de atingir os padrões exigidos por esses mer­cados?
Estão. Através da nossa melho­ria na área de inspecção e melho­ria de qualidade, garantimos que os nossos produtos entrem nos mercados internacionais, inclusi­ve no mercado mais exigente, que é da União Europeia. Fizemos um programa de melhoria nesta área, que consistiu na construção e equipamento de laboratório, in­cluindo o treinamento do nosso pessoal e das próprias empresas. Isso resulta numa alta qualidade dos produtos que exportamos. Quer dizer, por exemplo, que fazemos agora nos nossos labora­tórios análises de metais pesados na água, o que não fazíamos. No passado, mandávamos os bens e mercadorias para fora e demora­va 90 a 100 dias. Neste momento, não temos problemas com o mer­cado em termos de qualidade do produto.

Apesar do cenário que se viveu de 2005 a 2008, o governo faz uma previsão em alta para 2009 apontando para o crescimento de 8.9% no volume de captura. Será que estão ultrapassados os factores de retrocessos dos anos passados? Uma das razões que nos leva a esse optimismo é mesmo o cres­cimento que registamos na pesca artesanal. Mas também porque já estamos a ter um melhor do­mínio da pesca artesanal. De há dois anos para cá, o crescimento da pesca artesanal é aos saltos. Isso deve-se à própria melhoria da captura, por um lado e, por outro, ao domínio que estamos a ter das estatísticas da pesca arte­sanal.

Mesmo na pesca industrial, se não houver factores adversos, podemos registar alguma melho­ria. Por exemplo, a pesca do Ka­penta enfrentou problemas du­rante dois anos seguidos devido às cheias. O facto é que as cheias tornam as águas turvas, o que di­ficulta a pesca da kapenta, por­que é feita por atracção luminosa. Este ano, não houve cheias no rio Zambeze e todas as informações que temos indicam que a situação está estabilizada e, quando é as­sim, os números sobem.

CAMARÃO
74% das exportações dos pro­dutos pesqueiros em Moçam­bique são representados pelo camarão. Não há o risco de nos próximos anos, com muitos fac­tores climáticos, as nossas ex­portações reduzirem devido à dependência do camarão. O que está a ser feito para garantir a sustentabilidade da exploração do camarão?
Temos uma legislação que nos obriga a tomar sempre medidas de gestão. Por exemplo, nos anos 90, quando reabilitámos a indús­tria, a uma dada altura sentimos que havia sinais de sobrepesca, sobretudo do camarão, e intro­duzímos primeiro a veda. Segun­do, temos medidas em relação à malha da rede: aumentamos a malha. Tudo isto não foi feito aleatoriamente. É com base em estudos científicos feitos pelo Ins­tituto de Investigação Pesqueira que, felizmente, está a ter muita capacidade, porque houve uma capacitação técnica, o que nos permite ter muita informação so­bre a matéria. Por exemplo, deci­dimos desde 2001 considerarmos a pesca de camarão de superfície no banco de Sofala como pescaria fechada, ou seja, não licenciamos mais nenhuma embarcação (...).

Não acreditamos que o camarão venha acabar a menos que haja condições climáticas que não do­minamos. Mas, em termos daqui­lo que é a nossa gestão, não pre­vemos que o camarão acabe. O que pode acontecer é não haver crescimento e acredito que jamais haverá muito mais camarão do que o que há actualnente. Temos que ir para outras soluções como a aquacultura
camarao

JEREMIAS LANGA

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