sexta-feira, 6 de junho de 2008

Acordo ortográfico cria-me confusão (1)


O ACORDO Ortográfico da Língua Portuguesa é um instrumento regulador na escrita do idioma oficial de Moçambique e sete outros países membros de uma organização que comunicam entre si em português. O documento foi assinado a 16 de Dezembro de 1990 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, mas não podia entrar em vigor por não ter sido ratificado por todos os países. Porém, numa cimeira da CPLP havida em Brasília, em 2002, foi aprovada uma alteração aos estatutos que permitem a entrada em vigor de qualquer acordo desde que seja ratificado por pelo menos três países, passando a vigorar nesses Estados-membro, o que fez com que, até ao presente, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe tenham aprovado quer o Acordo Ortográfico quer o respectivo Protocolo Modificativo, estando oficialmente em vigor nestes três países desde Janeiro.


Moçambique já prometeu ratificar o acordo, em finais do ano passado, faltando saber precisamente quando é que o fará. Apesar de não haver avançado datas, ficou claro que o Governo moçambicano não colocará entraves ao “sim” à alteração da ortografia do português no nosso país. Ora, esta eminente aceitação do acordo pelas autoridades moçambicanas levanta algumas preocupações na nossa sociedade, uma vez que este acordo é, em si, uma fonte de desacordo no seio dos Estados-membros da CPLP. Recentemente entrevistámos a escritora Paulina Chiziane, que, tal como muitos moçambicanos, tem na actual ortografia do português um instrumento fundamental para passar as suas mensagens. Sobre o acordo em si, a autora que tem como mais recente livro o romance “O Alegre Canto da Perdiz”, afirma que “é algo confuso”.
“O acordo ortográfico apenas me cria confusão. Eu defino a língua portuguesa como a minha viola e com ela quero tocar as músicas que quero. Se tenho que tocar com regras fixas ou se tenho que me adaptar, acho que isso é um problema menor. O acordo em si consiste, no fundo, em tirar o ‘c’ do facto ou o ‘p’ do óptimo. Se for só isso é pode ser um problema menor. Mas o que me preocupa são os efeitos colaterais dessa corrida por um acordo ortográfico”, comenta a escritora, questionando de seguida: “quantos dicionários Moçambique terá que comprar de novo? Quantos livros terá que mandar rescrever? Quantos livros de escola terão que ser refeitos, em nome de um acordo ortográfico? Será que valerá a pena sacrificar tanto dinheiro dos pobres só para tirar um ‘c’ e um ‘p’ do que está escrito?”

A escritora diz não recear problemas – se se confirmar a alteração ortográfica – em adaptar-se a novas regras. Contudo, convida a sociedade, a começar pelos centros de decisão do nosso país, para repararem nos efeitos colaterais de uma aceitação de um instrumento que mesmo em Portugal não colhe consenso. “Esteticamente não me afecta muito mudar de ortografia, porque será apenas uma questão de adaptação. Olhemos bem para o que temos como acervo literário do país. Teremos que trocar tudo! Tudo, incluindo os livros que os miúdos têm nas bibliotecas ou que os pais os guardam ou mesmo as Bíblias, que são lidas por vários milhões de nós, só por causa de um simples acordo ortográfico. Penso que é um capricho tão desnecessário quanto caro”.

A recomendação de Paulina Chiziane para os centros decisórios do país em relação ao acordo ortográfico é de que se pense “no que é bom para o nosso bolso, para os cofres do Estado, porque não há cooperação que vai suportar este capricho”.

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