segunda-feira, 9 de junho de 2008

Acordo ortográfico cria-me confusão (4)


NOSSA LITERATURA AINDA ESTÁ POR NASCER

“Dizem que sou escritora e que fui a primeira mulher moçambicana a escrever um romance. Eu apenas conto estórias”. Estas palavras pertencem à escritora que mais livros ofereceu à literatura. Mas a qual literatura? Moçambicana? Não, não, porque esta ainda não existe, segundo Paulina Chiziane.

“Não penso que possamos dizer que temos uma literatura moçambicana, ou seja que se identifique como tal. Nós estamos todos os dias à procura de estéticas de isto ou daquilo para escrevermos ou para abordarmos a literatura. Os nossos modelos de aprendizagem ainda são os europeus. Até que ponto nos esforçamos por fazer reviver a estética tradicional moçambicana?” Este questionamento é resposta a um outro, que colocámos a Paulina Chiziane, sobre a literatura moçambicana.


Esta não é uma crítica que faço aos outros, pois eu também sou alvo dela. Reparemos numa coisa: a música é diferente da escrita, porque o músico, pelo menos, canta na sua língua”, explica a escritora, segundo quem “para você poder ser bom na literatura, salvo algumas e raras excepções, tem que escrever em modelos de A, ou de b, ou de C. Ora, bolas, que eu saiba, na nossa estética tradicional, quando se vai contar um grande conto, primeiro começa-se pelos ditados ou provérbios, etc. Essa é a estética da minha terra. Eu sou muitas vezes criticada e os meus críticos dizem e escrevem que ‘a Paulina escreve coisas que não têm forma’. E eu pergunto, forma de quê? Já foi muito bom eu aprender a ler e a escrever uma língua que não é originariamente nossa”, comenta.

Na opinião desta proeminente escritora, os autores moçambicanos e muitos outros de outros países africanos – de expressão portuguesa e não só – têm, ainda que de forma inconsciente, escrito em modelos que lembram os europeus.
Defendendo a ideia de que a literatura moçambicana é algo que ainda está por nascer, “porque os nossos escritos não nos identificam suficientemente como moçambicanos, fora as histórias que contamos”, Paulina Chiziane é de opinião que se devia investir na criação de um modelo de escrita nosso, baseado, por exemplo, na forma como são apresentados os contos orais. “Escrevemos na língua do outro, na estética do outro e ainda não investimos na busca da nossa própria estética. Atenção, eu própria estou inclusa nesta crítica”.

“Não tenho muitas boas palavras para explicar bem o que quero dizer, mas posso dar o exemplo de uma viola: é um instrumento europeu, ao alcance de qualquer indivíduo no mundo. O chinês compra-a e faz acordes chineses, portanto que o identificam. O moçambicano compra-a e faz acordes ou chopes, da marrabenta ou de todas as outras coisas que nós somos na música. O árabe idem, dedilhando o seu som”, comenta.

“Neste momento a nossa viola é a língua portuguesa. O que é que nós fazemos com a língua portuguesa em Moçambique? Eu escrevo na língua portuguesa e ainda me pedem para usar a estética da escrita da língua portuguesa. Por amor de Deus!”, desabafa a autora, que se considera escritora, mas que, segundo ela, ainda não atingiu maturidade para chamar-se a si mesma escritora moçambicana.

Por: GIL FILIPE

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